quarta-feira, 26 de junho de 2013

O que concluir até agora?

Os jovens só querem garantir
que vão manter e melhorar
o que já possuem
Só não está confuso
quem está desinformado...
 
Marília Campos 
  • O que começou como um mero movimento de natureza econômica (redução das tarifas no transporte público), evoluiu rapidamente para o plano do protesto politico, sustentando uma ampla plataforma por mudanças e produzindo as maiores manifestações de massas do Brasil desde o “Fora Collor”.
  • A passagem de uma fase para a outra foi provocada, na origem, pela desmedida hostilidade aos manifestantes de São Paulo, tanto pela PM paulista, a mando do governador do estado, quanto pela grande mídia.
  • Os partidos de esquerda (inclusive o PT), também num primeiro momento, não souberam acolher o movimento. O próprio prefeito Fernando Haddad chegou a rechaçar qualquer possibilidade de redução das tarifas, e a justificar a ação policial a pretexto de manter as vias públicas desimpedidas.
  • A revolta, a indignação e a solidariedade foram os sentimentos mobilizados pela repressão e pela hostilidade. O ataque aos jovens sensibilizou a população e a Copa das Confederações ofereceu um palco privilegiado para as ações de protesto. O movimento deixou de ser apenas por 20 centavos, e passou a ser por direitos.
  • As mobilizações multiplicaram-se e forçaram o recuo geral da mídia, dos governantes e dos parlamentares. O primeiro recuo foi o cancelamento dos aumentos de tarifas e até o anúncio de reduções nos preços.
  • A mudança de tática da mídia e das forças conservadoras foi marcada pela “autocrítica” de Arnaldo Jabor na TV Globo. O esforço, desde então, tem sido o de valorizar as manifestações e a legitimidade do movimento, desde que mantido nos limites da ordem. Essa mudança tem dois objetivos: fazer um permanente alerta às elites e ao senso comum quanto ao perigo representado pela mobilização popular e disputar a direção do movimento.

  • Interessa ao conservadorismo jogar o movimento contra o Governo Federal, vale dizer, contra Dilma, até agora favorita para a eleição do ano que vem. Exemplo disso são as pesquisas do Datafolha mostrando uma suposta queda do prestígio e da intenção de voto em Dilma entre os manifestantes.
  • Por isso, fortalecem o movimento especialmente no que se refere à luta genérica contra a corrupção e que se traduz na objeção à PEC37. Essa tentativa tem conexão com a desconfiança que os jovens sentem em relação aos políticos, medida por inúmeras pesquisas.
  • O arquivamento ontem da PEC37, por 430 votos a 9 e duas abstenções é, assim, outra vitória do movimento.
  • Com amplo apoio da população, vitorioso e alimentado pela esquerda e pela direita, o movimento atingiu um ponto máximo de ecletismo e heterogeneidade. Tornou-se o escoadouro de todas as insatisfações. Marcham juntas todas as bandeiras, das mais diferentes cores, de ultra esquerdistas a skinheads, além de vândalos e provocadores. Cartazes com “Fora Dilma” estão ao lado de cartazes que pedem por reforma política, mais moradia, mais saúde e outras demandas. As passeatas convivem com as depredações e há violência de ambas as partes: manifestantes e tropa.

  • O ecletismo e a heterogeneidade tendem a ser uma marca dos assim chamados “novíssimos movimentos sociais”, tais como o Occupy e Indignados. A literatura não tem uma posição assentada quanto a esses fenômenos sociais. Aceita-se, entretanto, que são movimentos ou manifestações articulados por meio das redes virtuais de relacionamento (tais como o Facebook), auto convocados, sem a figura da liderança clássica, sem as formas clássicas de organização (tais como os partidos ou sindicatos), baseados em adesões momentâneas e com forte apelo por autonomia.
  • É necessário lembrar que em 2012, 40% dos domicílios brasileiros já tinham acesso à internet. Não se pode subestimar essa ferramenta.
  • Uma nova possibilidade organizativa surgiu na última semana, por iniciativa do Movimento Passe Livre - MPL. São as Assembleias Populares. Tais Assembleias já estão acontecendo em São Paulo,  Fortaleza, Brasília e Belo Horizonte e devem se espalhar como forma horizontal de organização. Eles permitem que os interessados se encontrem presencialmente, conversem e busquem consolidar linhas comuns de ação.
  • Se vingarem, as Assembleias Populares podem favorecer, em futuro muito próximo, um novo tipo de ator social e, provavelmente, protagonizarem novas e mais vigorosas manifestações. São, neste sentindo, um salto qualitativo na organização do movimento.
  • Basicamente, o desenlace desse processo ainda depende do comportamento da esquerda e de sua capacidade de se conectar com o movimento.
  • Todas as pesquisas realizadas até agora indicam que a base social do movimento, formada por jovens com menos de 25 anos, é democrática, progressista e sente a necessidade de melhorar as condições sob as quais vivem. Defendem portanto, as conquistas alcançadas nos últimos dez anos como um dado inicial, um ponto de partida. Ao contrário das gerações mais velhas, não temem um retrocesso pois nem sabem o que isto significaria. Temem é que suas melhores expectativas não se realizem – por culpa dos políticos. Percebem, com carradas de razão, que o Brasil é um país ainda muito injusto, e que existe uma poderosa e viciada articulação entre o interesse econômico e os entes políticos. Isso explica o relevo que a bandeira moralista, ainda que republicana, do combate à corrupção alcançou.

  • A reação da esquerda começou, efetivamente, com o tardio e pouco elaborado primeiro pronunciamento da presidenta na última sexta-feira (21). De toda forma, Dilma estendeu a mão ao movimento e concordou com a necessidade de acelerar as mudanças que o país requer. Disse o que era fundamental. A esquerda, cuja base é basicamente “tradicional”, perdeu o medo de ser hostilizada.
  • Na segunda em Porto Alegre, pela primeira vez desde o início das manifestações, organizações sindicais lideram os protestos contra o preço das passagens de ônibus, contra a corrupção e pelo aumento dos investimentos em saúde e educação, conforme notícia publicada pelo jornal Valor. Em Belo Horizonte, segundo o mesmo jornal, os movimentos “clássicos” (partidos, centrais sindicais, União Estadual dos Estudantes, MST e outros), devem entrar fortes na manifestação prevista para o histórico jogo entre Brasil e Uruguai, no Mineirão hoje.
  • São sinalizações positivas e que devem se repetir no restante do país. Especialmente após o pronunciamento que Dilma fez ontem na reunião com governadores e prefeitos.

  • Dilma ousou, deu a linha para a esquerda e mandou um sinal para o mercado. O Pacto de cinco pontos proposto é, em si mesmo, uma chicotada no ar. Não tem efeito prático. Não há pacto possível com o conservadorismo das elites nacionais.
  • O que importa é que Dilma fez política, agiu como animal político e saiu do córner. Dilma repartiu o peso da pressão das ruas com o Congresso, os governadores e os prefeitos. É justo. Basta de apanhar sozinha.
  • O primeiro pacto proposto, relativo à responsabilidade fiscal, é um recado para o mundo dos negócios. Fala do compromisso do governo com o combate à inflação e com a Lei de Responsabilidade Fiscal, em um momento que a Bovespa está altamente sensível e em baixa. Lula fez algo parecido com a famosa “Carta aos Brasileiros”, em junho de 2002. Foi um esforço para apaziguar os empresários, ciosos de seus negócios e enlouquecidos com a possibilidade de um governo de esquerda.
  • Os pactos pela saúde, pelo transporte público e pela educação implicam apenas em realizar o que já está previsto. Basta vontade.
  • Já o pacto pela reforma política causou furor. Especialmente porque veio acompanhado das sugestões de uma Constituinte especificamente convocada com esse propósito, plebiscito e endurecimento das penas para o crime de corrupção. A reforma política é a chave do segredo para as duas demandas mais fortes dos manifestantes: a corrupção e a crise de representação.
  • A reação da direita foi imediata. Aécio atacou Dilma, disse que uma Constituinte para reforma política é “perigosa e desnecessária”. FHC atacou Dilma e disse que a proposta é “autoritária” – justo ele, que defendeu o mesmo em 1998. Ministros do Supremo Tribunal Federal entraram em debates sobre a constitucionalidade da proposta e sobre os incertos procedimentos legais para viabilizá-la – como se a questão fosse jurídica. Não é, assim como não é econômica.

  • O ministro aposentado do STF Francisco Rezek, ex-juiz da Corte Internacional de Justiça de Haia, colocou os pingos nos is. Segundo ele, a nomenclatura (Constituinte ou não) é o menos importante diante do atual quadro do país. Dilma, diz ele, parte da premissa correta. Os atuais membros do Congresso Nacional não são os melhores quadros para empreender uma reforma política no país. Por incrível que pareça, essa opinião é compartilhada por Fernando Rodrigues, colunista da Folha. “(...) se for para os atuais deputados e senadores (ou os eleitos em 2014) refazerem tudo e depois continuarem legislando, o sistema político pode resultar em algo pior do que já é”, reconhece o jornalista. Ambos têm toda razão.
  • A proposta apresentada por Dilma de endurecimento das penas para o crime de corrupção, a ser considerado crime hediondo em caso de dolo, já foi derrubada pela Câmara em pelo menos duas oportunidades. Numa delas, por iniciativa de um deputado petista. O então deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), pediu e conseguiu a derrubada de um projeto de lei que acrescentava aos delitos contra a administração pública os crimes de peculato, corrupção passiva, concussão e prevaricação. Detalhe: o projeto era de autoria de um tucano: o deputado Wilson Santos (PSDB-MT).
  • Ao todo, na Câmara, tramitam sete propostas que incluem a corrupção na lista dos crimes equivalentes aos hediondos, considerados pelo Estado como aqueles que merecem maior repúdio da sociedade, conforme informação do Congresso em Foco.
  • O Congresso Nacional também arquivou duas PECs sobre Constituinte Exclusiva para a reforma política. Isso aconteceu em 2007 e em 2010. Uma era de autoria de Flávio Dino (PcdoB-MA) e a outra de Marco Maia (PT-RS).

  • Se depender do atual Congresso Nacional, o mais provável é que a reforma política nunca aconteça. Os detentores de mandato não são kamikazes. Não vão mudar as regras que os favorecem. O poder econômico, por outro lado, não deseja rever um sistema que lhe propicia enorme influência sobre as decisões políticas.
  • Por isso a proposta de Dilma é excelente, mas de alto potencial de conflito. Contra o golpismo “institucional”,  a presidenta acalenta a ideia de uma nova “classe política”,  a ser eleita, e que chamará para si as tarefas de reformar o sistema político e desobstruir o processo mudancista.
  • Se levada adiante, essa ideia vai enfrentar enormes dificuldades. A tendência é que todas as instituições contestadas pelos manifestantes (entre elas a imprensa) se juntem numa resistência reacionária.
  • A sorte está lançada, diria César.
  • Dilma, Lula e o PT terão a capacidade de transmitir essa mensagem às demais organizações de esquerda e à população?

  • Se conseguirem, por tudo o que eu disse antes, será a consolidação em caráter irreversível do ciclo inovador que o país vem vivendo nos últimos dez anos. Em caso contrário, será um Deus nos acuda. O certo é que neste momento de incertezas e acirramento da luta política, as vacinas mais eficazes contra o retrocesso não são a conciliação nem a moderação.